MULHERES: DEUSAS CERVEJEIRAS

MULHERES: DEUSAS CERVEJEIRAS

Por Candy Nunes, Sommelière de Cervejas, Mestre em Estilos, Técnica Cervejeira e apresentadora. Correspondente audiovisual do Guia da Cerveja. @candysommeliere

Ahhh, as mulheres! Não apenas seres humanos classificadas pelos cromossomos XX, mas com certeza seres humanos especiais.
O que define uma mulher? Eu definiria uma mulher utilizando apenas um adjetivo, se assim precisasse escolher apenas um: cuidadosa!

Sim, sabemos que as mulheres estão ao cuidado. Seja da casa, seja dos entes queridos, seja dos alimentos ou até mesmo o cuidado de um grupo de pessoas. Eu atribuo a palavra cuidado às mulheres, mas isso não é de hoje se pensarmos que há aproximadamente 9000 anos atrás, na então Mesopotâmia as mulheres estavam feitas ao cuidado.

Esse cuidado não apenas com uma casa, com a prole, mas também com alimentação, e, foi assim, que as mulheres tiveram o cuidado de descobrir e conhecer, para trazer a toda humanidade, o fermentado de cerais que moldou a história através das civilizações: A Cerveja!

Foram as Sumérias! As mulheres não apenas descobriram a cerveja como durante muitos séculos foram responsáveis por produzi-las e servi-las. Mulheres e cerveja tem uma tradição primordial e milenar.

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NINKASI, DEUSA DA CERVEJA

Diferente de como vemos a cerveja de hoje, uma bebida alcoólica restrita ao consumo de maioridade, nesta época a cerveja na verdade era um alimento sagrado sem qualquer restrição de consumo. Alimento este que trazia nutrição ao corpo e ao espírito, sendo parte essencial da nutrição diária. E assim, claro, as mãos cuidadosas das mulheres, proporcionaram para a humanidade a replicação e elaboração dessa bebida sagrada

Temos por exemplo um documento muito antigo, sobre o Hino a Ninkasi, a Deusa da Cerveja um poema escrito pela civilização Suméria, leia uma parte deste Hino:

“Nascida da água corrente
Delicadamente cuidada por Ninhursag
Nascida da água corrente
Delicadamente cuidada por Ninhursag
Tendo fundado sua cidade pelo lago sagrado
Ela rematou-a com grandes muralhas por você, Ninkasi, fundando sua cidade pelo lago sagrado
Ela rematou-a com grandes muralhas por você
Seu pai é Enki, Senhor Nidimmud
Sua mãe é Ninti, a rainha do lago sagrado
Você é a única que maneja a massa, com uma grande pá
Misturando em uma cova o bappir com ervas aromáticas doces
Ninkasi, você é a única que maneja a massa com uma grande pá Misturando em uma cova o bappir com tâmaras ou mel
Você é a única que assa o bappir no grande forno
Coloca em ordem as pilhas de sementes descascadas
Você é a única que rega o malte jogado pelo chão
Você é a única que embebe o malte em um cântaro Quando você despeja a cerveja filtrada do barril coletor, é como os barulhos dos cursos do Tigres e do Eufrates “

Ninkasi

AOS OLHOS DE CERES

Império Romano o consumo de cerveja era intenso e temos agora uma outra deusa sim a deusa que representa o cuidado e a cerveja: Ceres!
Ela é a experiência da maternidade não só fisicamente, mas a experiência da grande mãe, da descoberta do corpo como algo precioso e valioso que requer muita atenção.

Significa os prazeres simples da vida, a conscientização que somos parte da natureza. Ceres representa uma sabedoria não racional que vem da natureza da capacidade de esperar até que as coisas estejam maduras para agir. Não seria esse fundamento do plantio da colheita dos grãos?

Ceres também está relacionada intimamente a cerveja que em latim é grafada Ceres Visia – “Aos Olhos de Ceres”. Empresta, também, a levedura de alta fermentação, cujo nome científico é Saccharomyces Cerevisiae.

Ceres é a deusa das plantas que brotam e do amor maternal.

BRÍGIDA, A SANTA ALQUIMISTA

Já na difícil tarefa que a humanidade teve de transformar-se em monoteísta, podemos citar uma santa: Brígida de Kildare. Ela viveu entre 451 e 525 e é santa padroeira da Irlanda. Exatamente, não só de São Patrício é feita Irlanda! Santa Brígida, uma freira abadessa que tem sua data litúrgica comemorada em 1 de fevereiro dia em que se festeja o início da primavera.

Santa Brígida tem o mesmo nome de uma antiga Deusa pagã e muitas lendas e costumes, relacionam a sua biografia. Inclusive estudiosos sugerem que ela é nada menos do que a cristianização da entidade pagã. Existe uma tese na Irlanda que defende que ela foi uma grande liderança druida, uma alquimista.

Santa Brígida era conhecida por sua profunda espiritualidade, caridade, compaixão e pelo amor a cerveja.

Em um dos seus mais célebres milagres, durante um trabalho em uma colônia de leprosos ela transformou água suja, usada nos banhos, em cerveja de excelente qualidade. Naquele período a bebida sagrada ou santa bebida, era uma fonte segura de hidratação e nutrição, dadas condições sanitárias precárias.

Em outra ocasião ela realizou um milagre de multiplicação da cerveja e abasteceu 18 igrejas da região. O suficiente para abastecer todo o período da Quaresma.

Além disso tudo, existe um poema do século X atribuído a Santa Brígida que começa com as seguintes palavras:

 “Eu gostaria de ter um grande lago de cerveja para oferecê-lo a Deus
   Eu gostaria, como os anjos do céu, de estar lá bebendo por toda a eternidade

   Eu me sentaria com os homens, as mulheres e Deus, perto do lago de cerveja estaríamos bebendo à boa saúde para sempre e cada gota seria uma oração”

SANTA HILDEGARD, A VANGUARDISTA

Hildegard Von Bigen nascida em 1098, viveu até 17 de setembro de 1179. Conhecida como a sibila do Reno, ela foi uma freira beneditina muito especial e totalmente dedicada à igreja. Grande teóloga, era tida como mística, além de compositora e dramaturga. Hildegard era naturalista e uma espécie de médica informal.

Personalidade pouco citada e conhecida pelo grande público moderno, ela rompeu muitas barreiras de preconceitos contra as mulheres que existia no seu tempo e foi respeitada como autoridade em assuntos teológicos, louvada pelos seus contemporâneos.

Hildegard é uma figura ímpar até mesmo para os dias modernos, podemos  imaginar então como era vanguardista sua atuação em pleno século XII.

Suas conquistas tem poucos paralelos mesmo entre os homens mais ilustres eruditos da sua geração, ela tem vários extenso escritos que mostram a sua percepção mística integrada ao universo. Brilhantemente, Hildegard harmoniza corpo e espírito entre a natureza da vontade humana e a graça divina.

E para nós, amantes da cerveja, vale dizer que ela revolucionou a fabricação de cervejas que até então era feita sem lúpulo. Exatamente! A freira beneditina Hildegard Von Bigen descobre o lúpulo e faz os primeiros registros da utilização na cerveja só que de uma forma bem diferente da atual, pois o lúpulo foi introduzido como conservante natural que aumentaria a vida útil da cerveja.

Hoje sabemos que a característica bacteriostática do lúpulo trazia benefícios incríveis para a conservação da bebida.

A descoberta de Hildegard levou alguns séculos para se tornar regra, até a instituição da famosa lei da pureza alemã em 1516 na região da Baviera. Assim tornou-se obrigatório o uso de lúpulo em cervejas no país, o que foi adotado na Inglaterra por volta de 1600 e assim por diante.

Hoje praticamente não existem cerveja sem adição de lúpulo em sua composição.

Brilhantemente, Hildegard harmoniza corpo e espírito entre a natureza da vontade humana e a graça divina.

ESPOSAS ALE

Trazendo para um panorama generalizado, vale ressaltar que a cerveja dos Vikings era feita por mulheres em torno do século VIII antes de Cristo. Da mesma forma em todas as sociedades do norte da Europa.

Na Inglaterra as mulheres produziam a bebida em casa e as vendiam como meio de incrementar o orçamento familiar, eram conhecidas como Alewifes ou Esposas Ale.

A Inglaterra foi um dos mais importantes lugares para popularização da cerveja, com hábito de consumo nas três refeições diárias, incluindo café da manhã.

A rainha Elizabeth I, disse certa vez:

“Uma refeição perfeita é feita com pão queijo e cerveja”.

CALDEIRÃO, BORBULHAS, VASSOURA E GATO

Estima-se com tudo que foi em meados do século XV, que o desenvolvimento e fabricação da bebida começou a ser retirado das mãos do universo feminino e aos poucos a ser ressignificado como um elemento masculino.

Em plena crise da Idade Média, os movimentos considerados hereges pelo Estado, proibia e perseguia qualquer tipo de irmandade ou organização feminina e, foi assim que teve início o que foi conhecido como período de caça às bruxas.

Esse período identificou as mulheres que fabricavam cerveja como bruxas, afinal para fabricar a bebida é necessário um caldeirão. Quando a bebida começava a fermentar o líquido do caldeirão borbulhava e se movia diante dos olhos como uma poção mágica.

Mulher cervejeira na Idade Média

Para mexer o caldeirão era necessário um grande pedaço de madeira com ramos na ponta, parecendo uma vassoura. Como trabalhavam com cereais como o malte, o ambiente ficava propício ao surgimento de ratos e nada melhor pra espantar os ratos do que um gato.

Então: um caldeirão, uma poção mágica, uma vassoura e um gato; estão aí todos os elementos que identificam uma bruxa. Tal perseguição, em seu cerne, não tinha um verdadeiro cunho religioso, mas objetivo de conter a lucratividade que as mulheres pudessem ter na venda de suas cervejas.

Desta forma as mulheres foram queimadas na fogueira e os homens aos poucos se apoderando da bebida, passando a lucrar o dinheiro que antes era exclusivo das mulheres. Este processo de apropriação se deu no século XV e foi até meados do século XVIII.

Surje a Revolução Industrial e as novas tecnologias de fabricação em larga escala. Como se não bastasse, mulheres não podiam ser donas de propriedades nem pedir empréstimo em bancos o que as impedia de, por exemplo, abrir sua própria fábrica de cerveja. No final do século XVIII não só feitura havia se tornado um trabalho totalmente masculino.

SAIBA QUAL É A HISTÓRIA DA CERVEJA NO BRASIL aqui

MULHERES NO BRASIL

Agora na cena brasileira, eu gostaria de destacar uma personalidade incrível. Uma mulher que é referência pra todas nós, não apenas aquelas que trabalham dentro do universo cervejeiro, mas para todas as mulheres do mundo: Cilene Saorin!

Com o currículo impressionante, Cilene é conhecida internacionalmente por seus trabalhos e estudos cervejeiros. Ela tem se dedicado às cervejas, nos últimos 28 anos, por alguns cantos deste planeta. É mestre-cervejeira, sommelière e diretora de educação da Doemens Akademie para América Latina e Península Ibérica.

Mas o que eu quero trazer a destaque dessa grande personalidade cervejeira é seu trabalho com relação a equidade e a inclusão social no mercado cervejeiro principalmente no trato as mulheres e das minorias.
Uma das frases da Cilene que mais me marca, é que o dinheiro segue a visão. Essa é a mais pura verdade. Então, abaixo separei aspas que considero bem importantes sobre o aspecto de equidade por Cilene.

” Como um lembrete importante para contribuir na longevidade dos negócios: “o dinheiro segue a visão. E a visão é humanista.” Não há outro caminho; esse é o único caminho para a existência humana. Do (ainda inevitável) capitalismo, que seja então um capitalismo inteligente.  Somos pura diversidade. Por coexistência, inclusão e representação, sempre. Temos diferentes vivências no tempo e no espaço. Exercitemos o senso de comunidade e encontremos o caminho do meio. (Vamos lá, comunidade cervejeira!). Educação para transformação e evolução ética. Com a equidade social (transversal), todos ganham muito – inclusive dinheiro.”

Num atrevimento, resolvi perguntar para algumas mulheres do meio cervejeiro, a seguinte indagação: Trabalhar com cerveja e ser mulher, significa o que pra você? Veja abaixo as respostas:

“Trabalhar com cerveja e ser mulher é desafiador. Ainda é preciso trabalhar contra preconceitos e buscar um meio menos inóspito para nós mulheres sermos ouvidas, respeitadas e acolhidas. Mas também é muito gratificante. Vemos que cada vez mais mulheres têm ocupado posições em diversas áreas e estão se sentindo a vontade para consumirem cerveja, e que boa parte do mercado tem se preocupado com isso.”
Por Beatriz Cury – Supervisora de Vendas e Marketing na Cervejaria Nacional

“Trabalhar com cerveja pra mim é um aprendizado todos os dias, conhecer pessoas e lugares é a melhor parte. O trabalho é árduo e feroz, num ambiente que já foi de domínio masculino. Hoje é mais fácil encontrar profissionais mulheres em diferentes áreas. Eu luto todos os dias para impor minhas condições do trabalho, remuneração e, acima de tudo, ter respeito como mulher e como uma profissional com quase dez anos de experiência.”
Por Catarina Sour Consultora Comercial da Premium Brands – RJ

“Ser mulher em um meio masculinizado, que foi masculinizado, e ser conhecida nesse meio, é um misto de se sentir responsável por representar as mulheres do mercado, e ao mesmo tempo, ter que sempre se esforçar a mais, tanto pra impor respeito, como também por ter que provar sempre que sabe do que está falando!” Por Cris Krause – Sommeliere e Embaixadora da Cervejaria Tarantino.

Gabriella Rubens

“Minha relação com a cerveja me fez ser e me sentir mais forte. Esse lugar de fazer e trabalhar com cerveja foi feminino, deixou de ser, e a partir daí as mulheres acabaram não sendo bem vistas nesse espaço cervejeiro. Lutar por um lugar nesse espaço é uma experiência que em primeiro momento machuca, mas a partir do momento que você entende tudo que acontece e quais barreiras vão existir você pode aprender muito.
Ser brasileira na Bélgica, estudando, pesquisando cervejas e convivendo com Valões e Flamengos é a experiência mais enriquecedora que tive. Me preparei bastante para ter o respeito, e assim a colaboração deles.”
Por Gabriella Rubens – Sommelière especializada em Escola Belga

“É muito apaixonante e ao mesmo tempo necessário.
Apaixonante pela experiência incrível de olhar para um copo de cerveja e enxergar todo o processo, o esforço e atenção que existiu em busca da melhor cerveja. Necessário para mostrar que, apesar de ser um meio muito masculino ainda, temos mulheres muito capazes atuando no meio e que estaremos sempre de portas abertas para tantas outras profissionais sensacionais que estão por vir.”
Por Marina Pascholati – Supervisora de Produção na Cervejaria Bohemia

HARMONIZAÇÃO, PARA NÃO PERDER O COSTUME

Quem me conhece sabe o que é o final de cada artigo eu tenho sempre a delicadeza de trazer uma cerveja e sua devida harmonização. Falando de cuidado, eu trouxe a Faro Boon. Uma cerveja que sem dúvida é feita com extremo cuidado e delicadeza.

A Faro boom é uma cerveja de fermentação espontânea resultante do blend entre uma “meertsbier” e uma Lambic. Agridoce, com aroma e sabor furtado remetendo a maçã verde e pera. A sua coloração acobreada, assim como o sabor agridoce, é obtida pela adição de candy sugar logo antes do engarrafamento. Contraponto perfeito entre adocicado do Candy Sugar e acidez da fermentação espontânea.

Para harmonizar essa maravilha eu trouxe um prato bem fácil de fazer, maçãs verdes flambadas ao Gin, acompanhadas com sorbet de Amarena Fabbri (cereja silvestre italiana). Claro que o sorvete eu comprei numa excelente sorveteria, aqui no bairro Vila Romana. Mas vamos a receita das maçãs flambadas.

Ingredientes:

Para cada duas bolas de sorvete use:

01 maçã verde

01 colher de sopa de manteiga

02 colheres de sopa de açúcar

100ml de Gin

Modo de preparo:

Cuidadosamente descasque as maçãs retirando a casca, gentilmente, sem perder a poupa. Corte as maçãs em tiras de aproximadamente 2 cm.

Numa frigideira antiaderente, a fogo baixo, coloque a colher de sopa de manteiga. Assim que a manteiga derreter e não deixe ela queimar adicione duas colheres de sopa de açúcar. Quando o açúcar se integrar a manteiga formando um caramelo coloque delicadamente as tiras de maçã e vire tão logo ela fique acobreada.

Com as maçãs caramelizadas adicione o Gin e com um palito de fósforo aceso, flambe as maçãs. Quando o álcool se dissipar desligue o fogo sirva o sorvete no prato, logo após coloque as maçãs flambadas. O calor irá derreter o sorvete, mas isso não é um problema e sim um charme delicioso.

Eu sei que agora você ficou com muita vontade de harmonizar essa sobremesa que é fácil, prática e extremamente deliciosa.
Acesse já o site da Confraria Paulistânia Store e na tranquilidade da sua casa reproduza essa harmonização.  A Faro Boon está esperando seu clique!



2 comentários em “MULHERES: DEUSAS CERVEJEIRAS”

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