O fabuloso mundo das Lagers

O fabuloso mundo das Lagers

Por Rodrigo Sena, jornalista, professor, sommelier de cervejas e técnico cervejeiro, produtor de conteúdo para o canal Beersenses no Instagram e no YouTube. 

Antigamente, a fermentação não era compreendida pelos cervejeiros, os místicos acreditavam que forças divinas transformavam aquele mosto de cevada e lúpulos em cerveja. Os mais céticos percebiam que algo acontecia, algo incompreensível para eles até então. Somente depois de três séculos com muita pesquisa científica – desde o século 17 com Leeuwenhoek, passando pelo século 18 com Gay-Lussac, até chegar ao chamado “pai da microbiologia” Louis Pasteur no século 19 – é que se descobriu que há uma reação bioquímica provocada por leveduras que transformam os açúcares do mosto em álcool, gás carbônico e outros subprodutos.

Nessa hora, você pensa: “Mas, espera, o assunto aqui não é cerveja Lager? Por que esse doido está viajando falando disso?”. Simples queridos: o que diz exatamente se uma cerveja é Lager ou Ale é a espécie de levedura utilizada na fermentação. Portanto, não há como explicar o que é uma Lager sem falarmos de leveduras.

A grande maioria dos estilos de cervejas que bebemos é fermentada por leveduras do gênero Saccharomyces. E apenas duas espécies desse gênero são as forças divinas que fazem cerveja:

Saccharomyces cerevisiae (Ale): é uma espécie mais resistente, que trabalha em temperaturas mais altas (15°C – 25°C), sobrevive em meios bastante alcoólicos e entrega muitos subprodutos na fermentação, como ésteres (frutados) e fenóis (condimentados). Isso significa que, geralmente, cervejas da família Ale possuem uma interferência maior das leveduras nos sabores finais da bebida. É chamada de alta fermentação por ter maior concentração na parte superior do tanque e produzir uma espuma cremosa na superfície.

Saccharomyces pastoranius (Lager): a pastoranius é um bichinho mais frágil do que sua irmã cerevisiae. Ela resiste menos ao álcool, precisa de temperaturas mais baixas para trabalhar (9°C – 15°C), demora mais tempo para completar a fermentação, fica, na maioria das vezes, no fundo do tanque e produz pouca espuma nesse processo (por isso, é também chamada de baixa fermentação). Mas a pastoranius tem alguns poderes que sua irmã não tem: ela é capaz de metabolizar um açúcar conhecido por melibiose e, também, interfere menos nos sabores finais da cerveja, deixando brilhar os maltes e os lúpulos. Por isso, normalmente, as cervejas Lager possuem perfil sensorial mais limpo do que as Ales.

Isso significa que toda cerveja que é fermentada por Saccharomyces pastoranius é uma Lager. Portanto, Lager não é um estilo, mas, sim, uma família. Os primeiros relatos de cervejas com perfil da família Lager surgiram no século 16, na região onde hoje é a Alemanha, quando os cervejeiros começaram a se aventurar na produção durante o verão. Por causa do clima mais quente, as cervejas eram levadas para fermentação em cavernas bem geladas nos Alpes. Com isso, eles começaram a perceber que o perfil sensorial da cerveja mudava. Essas cervejas eram chamadas de “cervejas de estoque” (“Lager” significa “estoque” em alemão).

Três séculos depois, com a evolução das técnicas de produção de maltes claros, aliada ao domínio da fermentação Lager, surgiu, na região da Bohemia (atual República Tcheca), um estilo de cerveja dourada, brilhante, leve, bem carbonatada e refrescante: a Pilsen. Essa nova cerveja ganhou fama e caiu no gosto do público, o que fez os cervejeiros de outras regiões próximas começarem a replicar esse estilo. Com isso, uma nova “linhagem” de cervejas surgiu, com vários estilos derivados, como Munich Helles, German Pils, Dortmunder Export, entre outros.

Para conhecer esses estilos clássicos de Lagers, encontramos, aqui no Brasil, a mais famosa cerveja de Munique que segue essa linha, a HB Original, uma tradicional Munich Helles da centenária cervejaria Hofbräu. Outra referência mundial no estilo facilmente encontrada em solo brasileiro é a Praga, originária da cidade de mesmo nome, e a 1795, da cidade de Budweis, ambas na República Tcheca.

Com o passar dos anos, a produção de cervejas dessa “linhagem” foi crescendo até cruzar o Atlântico e chegar aos Estados Unidos da América. Lá, os cervejeiros americanos criaram sua própria versão, chamada de American Lager. A diferença dela para as primas europeias é que, na versão americana, a cerveja ganhou mais equilíbrio entre os ingredientes, com menos corpo e menos intensidade de lúpulos. Esse perfil sensorial agradou à maior parte do público, que passou a consumir as American Lagers em grandes quantidades, o que chamou a atenção da indústria cervejeira mundial, que passou a replicar a receita americana em larga escala. A fama desse tipo de cerveja ficou tão grande que todos os estilos dentro dessa “linhagem” passaram a ser chamados, simplesmente, de Lager. 

Mas, como vimos antes, Lager é uma família e possui muitos outros estilos, principalmente na escola alemã, como Märzen, Dunkel, Schwarzbier, Vienna Lager, Baltic Porter e a Bock e suas variações (Maibock, Eisbock, Doppelbock). Alguns estilos mais recentes de Lager também estão ganhando adeptos, principalmente entre os Hop Lovers, como a India Pale Lager (IPL) e a Hop Lager.

Atualmente, cervejarias, em todo o mundo, produzem Lagers de altíssima qualidade. Aqui pertinho de nós, a cervejaria Paulistânia produz algumas das melhores Lagers que eu já provei. Gosto muito da premiada Marco Zero, ao estilo American Lager, e da potente Ipiranga, uma Red Lager maturada em madeira brasileira. Mas as outras Lagers da Paulistânia não ficam para trás, como a Capricórnio, que é uma excelente Bock, com adição de Cacau, e a Viaduto do Chá, uma Hop Lager muito aromática. Para quem deseja conhecer todas as variações e nuances da família Lager, indico esse line up da Paulistânia.

Você encontra as cervejas citadas neste texto e muitas outras na Confraria Paulistânia Store. Aproveite para conhecer esse fabuloso mundo das Lagers. Prost!

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