TOUR CERVEJEIRA BRASIL – PARTE 1

TOUR CERVEJEIRA BRASIL – PARTE 1

Por Luiz Caropreso, professor, sommelier, escritor, consultor e colunista para a área de cervejas. Diretor da BeerBiz Cultura Cervejeira.

Vejam esta maravilha de cenário…

É assim que começa o samba enredo que Silas de Oliveira compôs para a Império Serrano e ficou apenas em 4° lugar no carnaval de 1964. Mas em 2004, a escola ganhou o Estandarte de Ouro de Melhor Escola e Melhor Samba Enredo, na reedição de Aquarela Brasileira. Curiosamente quem popularizou a música foi Martinho da Vila que, como diz o nome artístico, pertence à Vila Isabel.

Só para concluir o assunto samba e carnaval, este foi uma homenagem à Aquarela do Brasil, um clássico de Ary Barroso.

Mas, na verdade, todo esse blá-blá-blá vai servir como pano de fundo e inspiração para lhes contar algumas aventuras “zitogastronômicas” (já expliquei esse termo em um de meus textos neste blog – confira aqui) que experimentei Brasil afora.

1a TOUR CERVEJEIRA BRASIL

Na dúvida de “por onde começar”, uma vez que já tive a oportunidade de percorrer nosso país de fora a fora, escolhi uma viagem que fiz com meu amigo Toninho, para conhecermos algumas cidades da antiga Rota do Ouro de Minas Gerais.

Como era muita coisa para se conhecer escolhemos visitar as cidades de Congonhas, Tiradentes, Sabará, Mariana e Ouro Preto.

Fizemos todo o planejamento para nos hospedarmos da maneira mais conveniente, levando em conta a aventura e economia (evitamos hotéis e reservamos leitos em pensões e pousadas).

Carro, mochila e geladeira…

No carro levamos apenas nossas mochilas, uma geladeira elétrica que funcionava ligada nas baterias do veículo e várias garrafas de cervejas que compramos na loja online da Confraria Paulistânia.

Nosso objetivo era harmonizar comidas mineiras com cervejas boas.

Como não conhecíamos as estradas decidimos viajar num Jeep 4×4 que o Toninho havia reformado para esse fim.

Congonhas faz parte da 1a TOUR CERVEJEIRA BRASIL
Congonhas – No Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, os 12 profetas esculpidos em pedra sabão por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, parecem fazer uma intermediação entre a realidade terrena e as esferas celestes. (ref. lugares de memoria)

PRIMEIRA PARADA – CONGONHAS

Saímos cedinho de São Paulo em direção a Congonhas (que eu conhecia como Congonhas do Campo) em Minas Gerais. Mais ou menos às 2 da tarde chegamos a cidade. Fizemos check-in na pousada que havíamos reservado, tomamos um banho rápido e saímos.

Estávamos “varados de fome”. Na recepção nos indicaram um restaurante típico, que ficava aberto até mais tarde, chamado Casa da Ladeira, na rua Dr. Paulo Mendes 649.

O estabelecimento funciona num antigo casarão colonial restaurado, muito lindo.

A primeira coisa que fiz foi entrar e conversar com o gerente, pois minha intenção era harmonizar todos os pratos de nossa viagem com as cervejas que havíamos levado.

Recebi sua autorização e ele gentilmente nos ofereceu um balde com gelo, para colocarmos nossas garrafas.

Em seu cardápio tinha frango com quiabo, um prato que adoro.

Garçon, traz frango com quiabo e um abridor, por favor!

Para harmonizar, e começar com chave de ouro, levei umas Urthel Hop-it.

Os mineiros sabem preparar a leguminosa. O quiabo tem a famosa “baba” que muita gente não aprecia. Eles passam os frutos em uma frigideira de ferro, sem óleo, até que fique um pouco chamuscado.

Após esse processo, é adicionado ao frango refogado e permanece com uma textura crocante por fora e macia por dentro. A combinação com a Belgian IPA ficou deliciosa. Parece que o quiabo conversa com os lúpulos e o amargor residual da cerveja harmonizou por semelhança com o do legume.

Para finalizar continuamos com a Urthel e pedimos um doce de abóbora em calda. Essa vocês precisam provar.

Durante o resto da tarde fomos conhecer uma das principais obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho – os 12 profetas – que se encontram no adro do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Os trabalhos de Aleijadinho, esculpidos em pedra sabão, ganharam fama mundo afora e realmente merecem ser conhecidos.

Aleijadinho - os 12 profetas  - Congonhas

No final da tarde, partimos para Tiradentes, uma cidadezinha pequena e aconchegante, a menos de 3 km de Congonhas, chegamos na cidade por volta das 19h.

SEGUNDA PARADA – TIRADENTES

Nossa intenção era arrumar uma pousada por lá e no dia seguinte partir para conhecer Sabará e Mariana. Tiradentes é uma cidade muito pequena. O centro Histórico praticamente se resume a uma ladeira que termina na Igreja Matriz de Santo Antônio.

Tiradentes faz parte da 1a TOUR CERVEJEIRA BRASIL
Uma das mais belas construções barrocas do país, a Igreja Matriz de Santo Antônio foi construída no ano de 1710.

Ficamos em uma pousada instalada em outro casarão centenário, a Pousada do Ó. e só para variar…estávamos com fome.

Perguntei ao recepcionista onde poderíamos provar uma comida típica mineira, bem caseira. Ele nos indicou um restaurantezinho a menos de 500 metros dali. O lugar tinha mesmo jeito de ser charmosamente simples.

Já da entrada pude avistar um fogão à lenha, o que me deixou muito animado. O cardápio não tinha muitos itens. Pedimos uma porção de Torresmos e Bambá de Couve.

Essa receita varia um pouco de lugar para lugar mas, em resumo, trata-se de um angu (tipo de polenta mole), com costelinhas e linguiças fritas e couve refogada.

Os tradicionais servem tudo misturado. Restaurantes “metidos a besta” servem os itens separados. Graças aos céus estávamos numa casa que respeitava as tradições.

Olha o Eddie aí, uai!

Os torresmos chegaram antes. Pururucados, sequinhos, no ponto certo para encarar as Trooper Ipa que havia levado. Em seguida entra em cena o Bambá de Couve, e escolhi a La Trappe Witte para o desafio.

As combinações foram muito certeiras!

A Trooper IPA tem um amargor que deu sustentação para o salgado dos torresmo e o amargor, somado à boa carbonatação, cortava completamente a gordura dos torresmos.  Já a La Trappe Witte trouxe uma acidez deliciosa. Parecia que havíamos pingado umas gotinhas de limão nas costelinhas e linguiças suínas.

Nossa sobremesa foi uma bela fatia de queijo meia cura acompanhado com goiabada de colher. Para arrematar, um cafezinho feito com grãos de uma fazenda local, passado no coador de pano e servido em lindas xícaras esmaltadas.

Saímos mais que satisfeitos e caminhamos até a pousada para o sono dos justos.

No dia seguinte, após um café da manhã com direito a pão de queijo e bolo caseiro de fubá, resolvemos dar uma circulada pelo centro histórico da cidade, que como disse se resume a uma rua.

TERCEIRA PARADA – SABARÁ

Visitamos dois museus, a Igreja de Santo Antônio e partimos rumo à Sabará. Como li em algum lugar, ali a simplicidade se rende à magnitude da arte barroca.

Sabará faz parte da 1a TOUR CERVEJEIRA BRASIL
Casa da Real Intendência e Fundição do Ouro de Sabará – Museu do Ouro

Aliás, vale destacar que além das experiências gastronômicas, nessa viagem tomamos um verdadeiro banho de arte barroca e arte sacra. Confesso nunca ter visto tanto ouro, seja em peças ou folheando altares e imagens.

Pois bem, havíamos reservado um quarto na pousada Sabará. Como sempre, fizemos o check in rapidamente e saímos em busca de um restaurante bem típico.

Nossos anjos da guarda são os recepcionistas das pousadas. Dessa vez nosso amigo nos indicou o Restaurante, Alambique e Armazém Jotapê.

Esse estabelecimento tem um buffet de pratos e quitutes típicos de Minas que ficam dispostos num balcão em torno de um fogão à lenha. Tentei ser moderado, mas não resisti aos acepipes.

Trem bão demais da conta, sô!

Torresmos, linguiças e moelas de galinha na cerveja para começar. Eu havia levado duas garrafas de Baladin Nora, a exótica cerveja que leva mirra entre seus adjuntos e iniciamos nosso jantar que uniria Minas Gerais e Egito.

Em seguida me servi de Canjiquinha com Costelinha, prato feito com milho triturado (quirera) e costelinha de porco que no caso foi frita na banha suína. Uma garrafa de Nora e outro jantar fantástico se encerrava com um cafezinho e pequenos losangos de fondant de doce de leite.

Nosso roteiro, no dia seguinte, incluiu visitar várias igrejas e o belíssimo museu do Ouro de Sabará. Resolvemos almoçar um sanduíche local feito com pão de queijo e recheado com pernil refogado em cebolas, alho, tomates e pimentões. A cerveja da vez foi a HB Original, uma Helles leve e de um dourado claro.

Mais alguns museus, sobe e desce nas ladeiras e alguns souvenirs comprados, pois nesse dia havíamos nos programado para jantar na própria pousada. Tomei uma canja de galinha (caipira obviamente) acompanhada de água mineral para dar um refresco para meu fígado (ufa) e assim poder encarar as duas jornadas finais: Mariana e Ouro Preto.

QUARTA PARADA – MARIANA

Mariana faz parte da 1a TOUR CERVEJEIRA BRASIL
Igrejas São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo, Mariana-MG

No dia seguinte tomamos nosso café e caímos na estrada. Em 3 horas chegávamos a Mariana, que infelizmente ainda sofre consequências do transbordamento da barragem de Fundão. A Samarco está, no mínimo, protelando demais para ressarcir os prejudicados e tudo anda a passos muito lentos.

Mesmo assim, não foi difícil encontrarmos um produtor de queijos deliciosos, quase na entrada da cidade.

Queijos de leite cru, alguns com casca floral, outros com mofo azul, e até uma mussarela fresca conservada em soro. Compramos alguns, abastecemos nossa santa geladeira e seguimos rumo à pensão onde havíamos feito reserva.

Pelas ruas, ainda se consegue ver traços do desastre que Mariana sofreu.

Alguns comércios fechados e marcas da lama em várias construções. Parece que estão ali para não nos deixar esquecer o descaso dos responsáveis pela tragédia.

Nossa pensão era bem simples, mas muito limpa e graciosa. Conhecemos a senhora Maria das Dores, proprietária, gerente e cozinheira do lugar.

Mariana que ainda encanta…

Após nos instalarmos, fomos circular pela cidade, a primeira vila de MG.

Parte da Estrada Real e da Trilha dos Inconfidentes, Mariana foi uma das cidades mais importantes do ciclo do ouro no Brasil.

Conhecemos algumas igrejas, pontos históricos e no final do dia retornamos à pensão de dona Das Dores, que havia prometido preparar para o jantar uma de suas especialidades: pratos com ora-pro-nobis, uma PLANC, típica das Geraes.

Nosso jantar começou com uma entrada singela: ora-pro-nobis crocante.

As folhas são temperadas com azeite, sal e pimenta e levadas a uma frigideira de ferro. Quando começam a se formar algumas bolhas – cerca de 2 minutos – viram-se. Mais 2 minutos e está pronto o petisco. Ficaram ótimas com a Warsteiner Pilsner e serviu para abrir nosso apetite para a “piece de resistance” de dona Das Dores – frango caipira com ora-pro-nobis e arroz com açafrão da terra.

Abri algumas Erdinger Weissbier e todos entramos em êxtase. Que comida sublime. Que cerveja fantástica!!!

Na manhã seguinte partimos para nosso destino Final.

FINALIZANDO EM OURO PRETO

Deixei para o final da aventura os 2 pratos que eu mais aguardava: Feijão Tropeiro e Tutu de Feijão.

Nos instalamos na Pousada dos Ofícios que fica a menos de 1 km do centro histórico, a Praça Tiradentes.

Ouro Preto faz parte da 1a TOUR CERVEJEIRA BRASIL
Praça Tiradentes – local onde foi exposto ao público os restos mortais do Mártir Tiradentes

Antes de almoçar, optamos por um “rolê”. O calçamento de Ouro Preto, assim como o de quase todas as cidades que visitamos, é feito com pedras pé de moleque, lajotas grandes, cujas arestas são aparadas rusticamente e depositadas sobre o chão de terra formando um tipo de mosaico.

Isso escrito é até bucólico, mas caminhar sobre esse calçamento, subindo e descendo ladeiras, não é nada muito agradável.

Mas garanto a vocês que o sacrifício não foi em vão. Fomos almoçar no Restaurante Braúnas, na Praça Tiradentes.

Agora sim, um Tutu de Feijão com tudo que se tem direito.

Arroz soltinho, couve refogada, linguiças caseiras, torresmos crocantes e sequinhos e o Tutu em si um creme aveludado de feijão, muito bem temperado. Para esse almoço levei algumas garrafas de Eggenberg Hopfenkönig, essa austríaca hiper refrescante.

Como estávamos em Minas, não podia faltar um docinho com queijo de sobremesa. E a escolhida foi a goiabada cascão, numa preciosa versão do Romeu e Julieta

À tarde fomos nos encontrar com um amigo, o Claudinei, que saiu de São Paulo, encantou-se por Ouro Preto e fez carreira como professor naquela cidade. Hoje leciona arquitetura na Universidade Federal de Ouro Preto.

Claudinei nos levou para conhecer as belezas naturais das cercanias da cidade.

Riachos, cascatas, trilhas para carros, e muitas cervejas Paulistânia pelo caminho, saídas “trincando” de nossa geladeira.

Já passavam das 20h quando deixamos Claudinei em sua residência, uma casa colonial totalmente restaurada.

Para fechar com chave de ouro (preto)

Combinamos de nos encontrar mais uma vez pela manhã. Dessa vez fomos conhecer uma fazenda de búfalos.

Ali se produz uma das melhores burratas que já experimentei na vida.

Acompanhamos todo o processo de produção, desde a extração do leite até a finalização das “bolotas” de mussarela e de burrata fresquissimas.

Comemos algumas acompanhadas da Paulistânia Largo do Café.

Já falei dessa combinação neste blog e continuo apaixonado por ela.

Leia aqui: ITÁLIA 2 – COMIDAS DE GUERRA E CERVEJAS DA PAZ

Nosso “Gran Finale” foi um jantar no Restaurante Tiradentes, também localizado na Praça Tiradentes.

Pedimos Feijão Tropeiro e Leitoa assada, pururucada.

Para harmonizar, duas Rodenbach Grand Cru.

Que jantar, senhoras e senhores.

Ficamos ali comendo e bebendo muito bem, revivendo histórias do passado e rindo muito.

Saímos do Tiradentes repletos, mas felizes.

Voltamos todos caminhando, Claudinei para sua casa e nós para a pousada, não sem antes nos despedirmos com um apertado e fraterno abraço, desses que só aconteciam antes da pandemia.

E assim se encerrava nossa aventura pelas cidades da Rota do Ouro.

No dia seguinte zarpamos para São Paulo.

Nos revezamos ao volante e em 8 horas estávamos em casa.

Aliás, nos dirigimos para a casa do Toninho, onde eu havia deixado meu carro e ainda tivemos ânimo para comer os queijos que havíamos comprado em Mariana e Ouro Preto acompanhados por algumas Paulistânia que havíamos poupado.

Todas as cervejas que citei e mais todo o portfólio da Bier & Wein podem ser encontradas na Loja Online da Confraria Paulistânia

Até a próxima!



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